23.11.05

Nogueira e Matthäus - Parte IV


IV. Reflexões Finais


Passando do individual para o subjectivo, o que se passou neste caso? Que força maior provocou este incidente? Na vida, como na selva, o mais forte prevalece. O Macho Alfa acaba sempre por dominar. Muitos machos possuem uma força e um carisma tremendos, mas nunca chegam a prevalecer porque têm no caminho para o estrelato um elemento cujo poderio assombroso o transforma inevitavelmente num superior hierárquico. No entanto, não poucas vezes um macho mediano consegue atingir o estatuto de líder do grupo devido à escassez de alternativas qualitativamente aceitáveis. Para o bem não só de cada grupo individualmente, mas também de toda a espécie como um todo, a melhor solução, obviamente, seria uma correcta e eficaz alocação dos melhores espécimes a cada grupo, de modo a que sejam sempre os predestinados e mais competentes a liderar e a decidir as acções conjuntas de cada grupo.

O futebol, como a vida, é uma selva em que a palavra justiça é apenas mais uma. Somente numa sociedade controlada por entidades supervisoras, uma arrumação óptima dos mais poderosos em locais de liderança poderia ser atingida. Para o intuito desta tese, tal efeito foi atingido. Quem serviu de organização optimizadora de distribuição qualitativa? A grande família comunista? Os progenitores dos “gémeos” Nogueira e Matthäus? Ninguém o poderá provar com certeza absoluta. No entanto, vamos aqui fazer uma reconstituição histórica daquilo que muito provavelmente se terá passado. Recomendo que arranjem um conveniente apoio lombar e um refrigerante, e que se preparem para uma dramática viagem pelo sub-mundo do tráfico infantil europeu, em que as crianças são tratadas como os nacos de carne que são, só que sem salvaguardar os seus sentimentos.



A provavelmente verdadeira história do cisma[1]
pós-parto dos gémeos Nogueira e Matthäus


Decorria o ano de 1962, era o velho continente um local escuro, perigoso, ainda a latejar devido à grande guerra que acabara havia alguns anos. Não estávamos na ressaca da guerra, mas arrisco a dizer que estaríamos na adolescência da mesma. Como muitos semblantes adolescentes, a Europa apresentava-se fustigada por constantes erupções, comichões, crises e óleo. Não era, portanto, o cenário propício para o nascimento de dois magistrais talentos futebolísticos. Mas, tal como a primeira flor nasce após o Inverno no local mais inóspito, também neste caso os gémeos brotaram do seio (não literalmente) de sua mamã.
Estando nós ainda na década de 60 (que vai de 1 de Janeiro de 1960 até 31 de Dezembro de 1969), os progressos médicos não eram semelhantes aos que se verificam hoje. Eram ligeiros avanços, se assim podemos dizer. Ponto positivo: já existiam as luvas. Infelizmente, apenas um par, que era utilizado em todos os partos. Não havia, portanto, como verificar a quantidade de rebentos que suportava a barriga de uma madame que, não poucas vezes, era fechada antes de tempo e ainda com um gémeo lá dentro. Este infeliz ficaria para sempre autista, a viver dos excrementos da sua mãe e a ser incomodado pelo zarolho pénis de seu pai enquanto os seus progenitores praticavam a milenar arte da fornicação. Obviamente cresceria deformado, qual pé de uma tradicional fêmea chinesa cuja progressão saudável não é permitida.
Nunca veria a luz do sol, nunca sentiria a água do mar, nunca saborearia nada para além de fezes maternas. Mas para o caso isto não interessa, pois não foi este o desfecho da nossa história.
Que se terá passado neste caso particular?, deverá estar neste preciso momento o sonolento leitor a questionar. Sinceramente, não sei. Podia agora tentar adivinhar, podia ir a um médium e pedir-lhe para se fazer possuir por um espírito todo-sabedor, podia também ir para a rua saltar à corda à espera que um papiro com toda a história que procuramos escrita por monges centenários me caísse dum bolso. Mas todos nós sabemos que isto faz tanto sentido como as bolachas de água e sal. Assim sendo, vamos apenas supor que aconteceu o mais óbvio: um deles nasceu e ficou com os pais, o outro era feio e foi posto num aquário, onde viveu os seus primeiros anos, desenvolvendo mãos com membranas e uma apetência invulgar para bruços. Daí até ser descoberto por um olheiro de Portugal, essa potência mundial da arte da piscina, foi um passo de bebé. O resto da história canta-a o vento, e quando o vento canta, o povo encanta.

O importante, digo eu do alto de toda a minha incomensurável sabedoria, é houve um final que, embora desconhecido, foi feliz. A todos os intervenientes nesta épica história de amor e sexo zoófilo agradeço e desejo as melhoras aos vossos animais de estimação.

[1] A aplicação do substantivo “cisma”, embora aparentemente contestável para a separação em discussão, acaba por ser justificada. Senão vejamos: o que sucedeu vai muito para além de uma singela opção por caminhos de vida diferentes, trata-se de uma total divergência de vivência que foi iniciada no momento do nascimento dos dois jogadores. Involuntária, é certo, no entanto trata-se de uma cisão do mais extremo de que há memória, digna de ser comparada, por exemplo, à mudança de religião de Cassius Clay, ao divórcio litigioso de Rod Stewart, ou mesmo ao primeiro romance de João Catatau.