Hey, Pérola Negra (ler cantarolando, sff)
Poderia falar de Washington Rodriguez, extremo esquerdo à antiga que Manuel Damásio trouxe para o clube da Luz em meados da década de 90, mas não o vou fazer. E não o faço por 2 razões: porque ninguém se lembra dum determinado peido que a certa altura largou e porque o norte americano tinha um penteado que ronda as bandas do nauseabundo.
Michael Thomas. Para muitos, apenas um nome. Para outros, o actor que fez parelha com Don Johnson em Miami Vice. Para um reduzido número de pessoas, um marketeer norte-americano empenhado em ajudar o próximo, renegando ao demoníaco lucro monetário. Para mim e para mais dezassete mil pessoas, um trinco ímpar, à frente do seu tempo, um negro que liderou e se tornou exemplo numa época em que os negros eram socialmente mais escuros do que nos dias que correm.
E sem mais demoras, vos apresento Michael Thomas, o futebolista:
Antigo internacional inglês e estrela em clubes como o Liverpool e o Arsenal de Londres, veio para a Luz rotulado como o “homem que vai pôr este meio campo na ordem”. No entanto, vá-se lá saber porquê, os sempre ponderados, escrupulosos e elegantes aficionados benfiquistas nem lhe deram o benefício da dúvida. Mal os colegas lhe endereçavam a bola, um ensurdecedor coro de assobios viajava do terceiro anel ao relvado. Pura e simplesmente, o já-não-tão-jovem-como-outrora Michael não conseguia estabelecer o contacto silencioso com o couro.
Dono duma velocidade digna dum poste de electricidade, compensava através da perfeição com que executava a vertente táctica do jogo. Canalha esta sociedade que habitamos, na qual as qualidades tácticas são apreciadas somente por treinadores e comentadores, escapando ao olhar do vulgar adepto de futebol. Só passa a redondinha para o lado? Assobia! Não sobe perigosamente no terreno para fazer o gosto ao pé? Assobia! Não tem as unhas cortadas convenientemente? Assobia e cospe!
Como certos gurus do relato diriam, tratava-se de um jogador «esclarecido, de cultura táctica, importante para o grupo de trabalho». Como certos misters de bancada diriam, isso é uma boa descrição para o encarregado da relva, para o condutor do autocarro dos jogadores, ou para o cabrão que anda a pinar a minha mulher.
Voltando às assobiadelas, todos nós sabemos o quão desagradável é ouvir um enorme coro deles vindo de 50.000 pessoas. Ou talvez não o saibamos, mas com um pouco de senso comum enquanto equipados com justos calções encarnados, certamente que conseguimos imaginar. Para aqueles que ainda estão com dificuldades, imaginem o incómodo que será voar com um bando de aves barulhentas enquanto emigram para climas mais quentes (partimos do pressuposto que o leitor se imaginou como uma das aves, ao invés de como um ser humano mutante alado).
Se cada vez que a bola tocava em Thomas era meio caminho andado para uma valente enxaqueca, os jogadores do Benfica começaram a fazer o lógico: ninguém passava a bola ao trinco britânico. Este ficava no meio do campo a pedi-la incessantemente, mas o esférico, para bem dos tímpanos ao nível do relvado, nunca lhe chegava. Assim sendo, Souness acabou por ver que, a atacar, o seu Benfica jogava 10 contra 12, pois Michael Thomas cortava uma imensidão de linhas de passe. E foi assim o jogador que veio da terra dos Beatles caiu em desgraça no seio da equipa e perdeu o lugar como patrão do miolo encarnado.
Não obstante, e apesar de ter chegado a Portugal putrefacto, Michael Thomas foi sempre um digno cumpridor do código de conduta do clube, algo que salutamos, ou não fosse o nosso lema «Antes um valente aselha mas bom profissional do que um anão em campo».
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